terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Antônio Torres, imortal


Publicado originalmente no blog Dois Pontos, em 4|01|2014

Antônio Torres, imortal

Fez-se justiça ao mais novo imortal

Em sua terceira candidatura, o escritor Antônio Torres ingressa na ABL, passando a ocupar a cadeira que já pertenceu a nomes como Machado de Assis, Jorge Amado e Luiz Paulo Horta.

Por Paulo Chico

A justiça tarda, mas não falha, diz um ditado popular. Pois assim se deu com Antônio Torres, 73 anos, eleito na tarde do dia 7 de novembro de 2013 para ocupar a cadeira nº 23 da Academia Brasileira de Letras, a mesma que pertenceu a Machado de Assis, fundador da instituição e primeiro Presidente da Casa. Essa foi a terceira disputa de que o romancista baiano participou – a primeira delas ocorreu em 2008, quando foi derrotado pelo pesquisador musical Luiz Paulo Horta, morto no ano passado. A segunda tentativa de ingressar na ABL fracassaria três anos mais tarde, em 2011, com a controversa eleição do jornalista Merval Pereira. Só no último pleito, o autor de Essa Terra – história com elementos autobiográficos sobre a imigração nordestina para o Sul e Sudeste, originalmente publicada em 1976 – sagrou-se vencedor.

E por um placar com larga vantagem, diga-se de passagem. Torres foi eleito com 34 dos 39 votos possíveis, dos quais dois foram em branco. A eleição contou com a presença de 20 imortais, em sessão comandada pela atual Presidente Ana Maria Machado. Dezesseis membros votaram por carta e três se abstiveram. Estavam nesta disputa Blasco Peres Rêgo, Eloi Angelos Ghio, José William Vavruk, Felisbelo da Silva e Wilson Roberto de Carvalho de Almeida. Além de Machado de Assis, a cadeira nº 23, cujo patrono é José de Alencar, já foi ocupada por Lafayette Rodrigues Pereira, Alfredo Pujol, Otávio Mangabeira, Jorge Amado e Zélia Gattai. Retrospecto que traz ainda mais significado à eleição, segundo análise do próprio acadêmico estreante, reconhecidamente um dos mais afáveis escritores brasileiros.

“Fizeram sorrir uma velha criança! Sinto-me feliz por sentar na cadeira que foi de Jorge Amado, um dos escritores que mais me apoiaram no começo da carreira, e também de Machado de Assis, de quem sempre fui leitor. Estou em estado de graça, isso é resultado de uma longa estrada”, disse, logo após o anúncio do resultado. Nascido em Sátiro Dias, no interior da Bahia, em 13 de setembro de 1940, Antônio Torres iniciou a carreira como repórter do extinto Jornal da Bahia, em Salvador. Aos 20 anos, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou na Última Hora, e na área de publicidade. Anos depois, radicou-se no Rio de Janeiro. Publicou seu primeiro romance – Um Cão Uivando Para a Lua – aos 32 anos. Pelo Fundo da Agulha, livro de 2006, foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti 2007.  A respeito de sua vida e obra, bem como sobre sua eleição para a ABL, o escritor falou nesta entrevista, em que destacou a importância do jornalismo em sua vida. “Ele me ensinou a ver o mundo”. Leia a entrevista, publicada no Jornal da ABI de dezembro de 2013:

Poucas vezes na história uma sucessão na ABL ocorreu com margem tão significativa de votos. Como é, hoje, ocupar a cadeira 23, que tem como patrono José de Alencar e até então estava com Luiz Paulo Horta?
É uma responsabilidade imensa ocupar essa cadeira, sem dúvidas. Ela tem, para mim, um duplo peso: histórico e afetivo – neste caso, porque teve três ocupantes que fizeram parte dos meus afetos: Jorge Amado, Zélia Gattai e Luiz Paulo Horta. A primeira eleição que disputei na ABL foi vencida justamente pelo Horta. E ficamos amigos. Além de um pensador muito admirado, ele era uma figura humana extraordinária.

Em 2011, o sr. disputou novamente uma vaga na ABL, sendo na ocasião derrotado pelo jornalista Merval Pereira – eleição que gerou muitas críticas nos meios literário e acadêmico. Como avaliou aquele processo na época, e como o avalia hoje?
Perdi também daquela vez, contabilizando duas derrotas, e ganhei agora, com o voto de Merval Pereira, inclusive. A vida é assim. Perde-se hoje, ganha-se amanhã. Bola pra frente. E para mim, naquela ocasião, o resultado não foi surpresa. Quando fiz minha inscrição, percebi que a candidatura do Merval já estava bem pavimentada. Assim mesmo me mantive na disputa, que transcorreu com muita elegância. E que fique bem claro: o meu apreço pela ABL nunca dependeu dos resultados nos pleitos de que participei. Não se esqueça que a instituição já me agraciou com o seu maior prêmio, o Machado de Assis, para o conjunto da obra. A eleição de 2011 me reaproximou da Casa, cuja agenda cultural sempre me interessou. Assim como também me aproximou do próprio Merval Pereira, que é uma pessoa de fino trato. A ABL, pelo seu peso institucional e a relevância de seus eventos, tem presença garantida na mídia, constantemente. E, por definição, ela tem o direito de eleger sempre quem achar melhor.

O que representa para um escritor já consagrado e premiado o ingresso na Academia Brasileira de Letras? De verdade, o que muda?
A ABL representa uma consagração para qualquer escritor. E o que muda com a minha entrada nela? É que passarei a viver regularmente num ambiente letrado, participando intensamente de uma agenda de atividades culturais que sempre me interessou. Tão importante quanto isso é poder conviver com intelectuais que admiro, trabalhar com eles, aprender com eles… E me divertir com eles também, ora.

Em que acredita que poderá contribuir para a Casa de Machado de Assis? Como foi a recepção por parte dos colegas acadêmicos?
Ainda é cedo para dizer em que poderei contribuir. Espero vir a ter alguma contribuição a oferecer. Quanto à recepção por parte dos acadêmicos foi, e continua sendo, calorosa. É um momento muito feliz da minha vida!

Nascido no sertão da Bahia, sonhava em alçar vôos como escritor desde criança? Qual fator considera ter sido fundamental para obter tamanho êxito neste projeto?
Venho de um mundo rural e ágrafo. A descoberta da palavra escrita, na escola da minha infância, foi a minha maior conquista. Nela se lia Castro Alves, José de Alencar, Machado de Assis e Olavo Bilac em voz alta. Fazíamos exercícios de redação diariamente. Foi lá que o escritor que vos fala começou a se formar. E o fator fundamental para a realização do projeto foi a persistência em palmilhar a longa estrada em busca de um texto.

O sr. foi repórter no Jornal da Bahia, e atuou como jornalista também em São Paulo e Portugal. Poderia falar um pouco dessas experiências? Que lugar o jornalismo ocupa ou ocupou em suas atividades? Ele complementou ou foi conflitante em relação à carreira de escritor?
Em São Paulo, por causa das matérias que assinava no jornal Última Hora, fui convidado a trabalhar em publicidade, para onde outros colegas da Redação, como José Carlos Stabel, José Fontoura da Costa e o Benedito Ruy Barbosa já haviam migrado. Essas duas atividades foram uma espécie de campo de treinamento para chegar à literatura. Costumo dizer o seguinte: o jornalismo me ensinou a ver o mundo. E a publicidade a contar isso rapidinho.

A opção por residir em Itaipava, na região serrana do Rio, também faz parte de uma escolha profissional? A tranquilidade, e até certa reclusão, fazem-se necessárias para o desempenho de um escritor?
Itaipava não deixa de ser um bairro afastado do Rio, mas fora da sua linha de tiro. Viemos para cá, Sonia e eu, fugindo do barulho de Copacabana – um barulho que em outros tempos chegou a ser um combustível para o meu texto, mas que, com o passar dos dias, começou a saturar. Aqui na Serra há mais tranquilidade para se viver e escrever, sim, só que com a mudança, as solicitações para participar de eventos pelo país afora não diminuiu. Ao contrário, aumentou. O que significa que nem sempre tenho tirado proveito das vantagens daqui. É aquela história: o mundo perfeito não existe…

Nutre afeto especial por algum de seus livros? Por qual motivo?
Tenho um afeto especial pelo romance Carta ao Bispo, que foi muito bem recebido pela crítica, mas é menos lido do que os outros. Talvez por ter levado muito tempo para pegar a embocadura dele, até achar uma primeira frase que levou ao resto. Esta primeira frase: “Agora ele está só”. No embalo, veio o seguinte: “Tão desgraçadamente só quanto no dia em que nasceu. Mas agora ele dispensa a parteira e não precisa mais berrar ao mundo que está só”. Escrevi isso, recortei e colei… na memória. Cultivo uma questão de apreço pelo ritmo desse começo.

Texto e imagem reproduzidos do blog: doispontosblog.wordpress.com

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